quarta-feira, 9 de junho de 2010

O Morto


Creio que o morto ainda tinha chorado, depois da morte: enquanto os pensamentos desagregavam, depois de o coração se acostumar a ter parado.Creio que sim, porque uma gota de choro havia entre as pálpebras, feita de força já tão precária que nem pudera ir mais além, que não correrá, nem correria, e que também não secava. E que ninguém teria tido a coragem desumana de enxugar. Por que foi que chorou? Que lembranças de sua vida chegaram até, ali, reduzido aquilo? Sua vida não foi nem boa nem má, foi como a dos homens comuns, a dos que não fizeram nenhum destino: aceitaram qualquer... Dentro dele se debateram todas as coisas, e de dentro dele todas as coisas saíram repercutindo sua incerteza. Creio que o morto chorou, chorou depois da morte. Chorou por não ter sido outro. Mas sobre seus olhos uns outros, mais infelizes, que estavam vendo, e entendendo, e continuavam sem nada. Sem esperança de lágrimas. Recuados para um mundo sem vibração. Tão incapazes de sentir que se via o tempo de sua morte. Antiga morte já entrada em esquecimento. Já de lágrimas secas. E no entanto, ali perto, contemplando o morto recente. Como se ainda fosse vida.

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